Friday, February 23, 2007

João Lopes

Este texto foi publicado na revista «6ª»/Diário de Notícias (12 Jan. 2006), com o título ‘Fragmentos de modernidade’.
O actual contexto do cinema português é absolutamente trágico. E isso nada tem a ver com o facto de considerarmos que os filmes são “bons” ou “maus” (nunca estaremos de acordo e, creio, não é por isso que vem grande mal ao mundo). Tem a ver, isso sim, com o apagamento da própria ideia de um cinema português no interior do mercado – e, um dia destes, com a sua metódica exclusão do espaço da própria produção. Vivemos, de facto, um tempo de diluição das audiências específicas de cinema. Na prática, dir-se-ia que apenas temos fenómenos televisivos que, pontualmente, se conseguem “transferir” para os territórios do cinema, destruindo por dentro a sua especificidade. Neste contexto, os equívocos só se poderão acentuar através de um filme como «Body Rice», primeira longa-metragem de ficção de Hugo Vieira da Silva (depois de alguns trabalhos na área documental). Em primeiro lugar, porque «Body Rice» é um intransigente e coerente objecto de cinema que não pactua com as exigências “narrativas” ou os códigos de “verosimilhança” impostos pelas leis televisivas dominantes – trata-se de encenar, como uma espécie de drama suspenso e ritualizado, a vida de um grupo de jovens alemães enviados, nos anos 80, para o Alentejo, ao abrigo de projectos experimentais de reintegração social. Depois, porque «Body Rice» recusa submeter-se a qualquer uma das provas de “portugalidade” que, tantas vezes, de modo tão demagógico, se exigem aos filmes portugueses – o filme, embora enraízado em factos concretos, tende para uma abstracção paradoxal que, singularmente, o aproxima do conceito teatral e plástico da performance. Enfim, porque «Body Rice» possui uma lógica de modernidade que, face ao imperialismo formal da telenovela e dos reality shows, só pode transformá-lo num objecto entregue à sua serena condição selvagem. De onde vem essa lógica? Da aposta na criação de um universo de representação que esteja para além das regras e dispositivos clássicos do “retrato psicológico”, sobretudo dessa “psicologia” que reduz personagens e situações a padrões deterministas e renováveis. Não creio que, ao longo das suas duas horas de duração, o filme consiga manter em todos os seus fragmentos a mesma intensidade dramática e a mesma subtileza formal. Mas os seus “desequilíbrios” são também a prova real dos seus riscos. Aliás, a opção por uma estrutura fragmentária traduz, não a vontade de apropriação do real em “cenas”, mas sim a afirmação de um desejo de narrativa que não se limita a cumprir programas mais ou menos académicos. Poderá perguntar-se: mas então o que há de “português” em tudo isto? Na verdade, muito, já que somos levados a redefinir alguns aspectos do mapa imaginário do nosso país (por exemplo, recusando qualquer imagem pitoresca do Alentejo). Ao mesmo tempo, «Body Rice» é um objecto que tende para uma estranha e envolvente neutralidade geográfica, como se o nosso mundo contemporâneo se fragmentasse, também ele, num mapa cujas coordenadas não conseguem estabilizar. Por tudo isso, este é também um filme de perturbante actualidade simbólica.

Friday, February 09, 2007

MEXICO CITY 2007(FICCO)



Anunciada a line up do FICCO 2007

BODY RICE em competição oficial
BODY RICE in the official competition
(...) This year FICCO's competition includes Paz Encina, Lisandro Alonso, Djamshed Usmonov debuts along with newcomers as Hugo Vieira da Silva, Rúben Castro or Han jie(...) in outmex

Thursday, February 08, 2007

Premiere BODY RICE- 3 PARTE

3:: De um ponto para o outro


Agora, a mesma pergunta, ao contrário: e como é que um tipo larga o sol de Portugal e mete-se a viver em Berlim? “Numa fase inicial vivi um pouco entre os dois países e agora tenho estado mais em Berlim. Mas uma coisa muito interessante nisto é eu poder-me distanciar-me do sítio de onde sou originário.” E contudo, não são as personagens de “Body Rice” um pouco o espelho inverso dessa deslocação? “Um filme tem sempre a ver com a pessoa que o faz. Mas eu não gosto muito dessa visão psicanalítica. O que eu espero é que o filme sobreviva por si mesmo."Acrescenta: “No entanto, essa ideia de uma pessoa se afastar de um sítio e pensá-lo, acho muito interessante, porque a deslocação permite viver uma perspectiva muito diferente. Se tu estiveres muito próximo de algo, isso parece-te uma coisa, mas se te afastares, parece outra. Não estou a dizer qual é a verdade, há é perspectivas diferentes. Acho que tenho espírito de permanentemente saltar de ponto de vista e poder ver à frente como atrás e, claro, a minha vida também tem um pouco a ver com isso: um incómodo meu de viver com uma coisa, sempre.”Não esquecer: Hugo Vieira da Silva passou igualmente pelo direito. E garante que na Alemanha descobriu uma produção delirante de normas jurídicas. “É o país que eu conheço onde há mais regras para tudo, mas isso provoca precisamente o contrário. O contrário é uma atitude reactiva, sendo Berlim a cidade que ainda tem, ou mantém, mais punks na Europa: uma sociedade civil permanentemente inquieta.” O efeito é claro, da Alemanha resulta o país onde as pessoas mais viajam para fora, segundo ele. “E há inclusive uma palavra em alemão que designa aqueles que saem: ‘aussteiger’, que são os que saem de dentro para fora, saindo de uma norma para outra que seria directamente o inverso. Acho que há uma necessidade de fuga. Mas o engraçado é que por vezes eles reconstroem no novo território uma outra série de normas.”No fundo, o que seduziu Hugo Vieira da Silva e o levou a “Body Rice” foi tentar perceber coisas tão simples “como uma pessoa a passar de um ponto para o outro.” Da Alemanha para Portugal, do Porto para Berlim, será que importa, verdadeiramente, o sentido? Essencialmente, o que o preocupa “é pôr em causa a concepção de corpo, ultrapassar a ideia de um corpo romântico, pensar como é possível o corpo existir por outras vias.” E introduzir ruído, distúrbio, desorganização. Por palavras suas: “criar problemas às pessoas, obrigá-las a pôr questões a si próprias sobre o que é um filme e o que é a vida.”Então, o que é “Body Rice”? Uma coreografia da desolação e da aridez humana? Um exercício de pós-estética cinematográfica? Um filme punk? “Punk? Talvez.”“É a minha forma de sentir o mundo. Aquele local e aquela situação são muito visíveis, saltam à vista. Penso que as pessoas, os corpos que agem, desviando-se das coisas, perdendo aos poucos o sentido de moral ou de família, e até mesmo de orientação sexual, são características do meu tempo. Um sentir do tempo presente.”

Wednesday, February 07, 2007

PREMIERE - entrevista compl. PARTE 2

2:: Filmar a ausência


Em boa verdade, não existe em “Body Rice” uma narrativa legível, explícita. Não há uma ponta de moralismo, de análise. A câmara limita-se a acompanhar as personagens, a mostrá-las. Os diálogos reduzem-se ao mínimo (na sua maioria em germânico), com personagens, também elas, desligadas do meio onde circulam, elipticamente, à imagem de zombies. “Personagens no limite de não serem personagens”, já que o que interessava mesmo a Hugo Vieira da Silva era explorar os limites: “até onde se podia chegar, até onde se podia aguentar uma narrativa, com outros modos de trabalhar personagens que não fosse pelo diálogo ou pelo habitual esquema de montagem puramente cinematográfico.”O realizador encontrou assim a sua forma de cinema contemporâneo: “miscigenada com outras formas artísticas.” Ou seja, as artes plásticas, a performance, a dança contemporânea, terreno a partir de onde quis criar um território muito mais fluído, importando outras formas de pensar e trabalhar, um pouco emprestadas de outras artes. “Eu tenho uma dificuldade enorme em cortar quando há uma performance de um actor, é uma coisa para mim total e inteira que tenho imensos pruridos em limitar.” E em muitos casos, percebe-se, Vieira da Silva não cortou – como na longa sequência em que uma das raparigas brinca com um pequeno robot automatizado, num registo de dualidade homem vs. máquina. Não cortou ainda, por exemplo, quando outra rapariga se entretém a pontapear um peixe fora de água que agoniza (e ele adverte para os mais sensíveis que nada de mal aconteceu ao peixe posteriormente devolvido ao lago com vida).Vamos chamar a isto um “triângulo amoroso”, definição, aliás, assaz subjectiva. Um triângulo amargurado, seco e implosivo, composto por duas raparigas alemãs, uma loura e outra morena, Katrin (Sylta Wegmann) e Julia (Alice Dwyer). Os mesmo olhares de lince ferido, as almas dilaceradas, acossadas e divagantes. O terceiro elemento, um rapaz chamado Pedro (Luís Guerra), é português, mas a nacionalidade pouco importa, pois o que predomina é o comum léxico da inadaptação, o mutismo como ordem universal. Um silêncio insustentável, mesmo quando temos filas de colunas de som com o volume no máximo, a animar raves de musica trance e tecno em baldios poeirentos.À primeira vista, a tentação é nomear isto de “angústia”. Hugo Vieira da Silva discorda: “Eu não chamo angústia, chamo ausência. A angústia traz uma coisa que tem mais a ver com o romantismo e aqui a ausência tem mais a ver com um espaço vazio, em branco, porque aquele território pode ser a nossa mente e o nosso corpo. O que as personagens procuram durante todo o filme, assim como as pessoas em geral, é expressar os seus desejos, quaisquer que sejam. Simplesmente, as minhas personagens expressam esses desejos de uma forma um bocado transvertida em relação ao que seria convencional, ou até de uma forma sexualizada, violenta, ausente. Essas expressões são pulsões que para mim também têm um sentido de vida. E por vezes, parece que estão completamente ausentes ou que não vivem. Eu acho que elas vivem absolutamente.”Ausência, evidentemente. Uma ausência dilacerada, marcada por corpos, movendo-se como num bailado ou numa performance viva (ou morta-viva?) de musical negro e pós-punk, devidamente sonorizado por temas de bandas como Siouxsie & Banshees ou os “industriais” Eisterzunde Neubaten. “O que me interessa na adolescência é, por exemplo, a forma como estes ouvem música profundamente incomodativa. Ou música com um sentido político, que põe coisas em causa, por esta não ser convencional. A adolescência tem essa força e aderiu a uma coisa que não está sancionada, estabelecida”, refere Vieira da Silva. Só que a par do punk, temos em “Body Rice” o tecno, o trance e as raves que Katrin, Julia e Pedro acabam por frequentar no seio da “natureza” inóspita do Alentejo. A relação entre um gênero e outro acaba por ser natural: “o tecno alemão, e em especial o de Berlim, foi trazido pelas pessoas que vinham da Alemanha para o Alentejo. Tinha uma influência muito grande do punk, porque era um tecno alternativo, muito relacionado com a queda do Muro de Berlim, questões de ocupação (squats), situações muito incomodativas também, digamos, de afirmação de outras formas de estar e de viver.” E aqui, Hugo Vieira da Silva volta à questão inicial. “Porque há uma coisa que sempre me seduziu: como é que os alemães largavam esse mundo e iam para outro território que era totalmente o inverso do sítio de onde viviam?”

Tuesday, February 06, 2007

OBJECT TROUVÉ 9- texts published in the internet

Unruh- Magazine für rurstädtische Angelegenheiten

in http://www.unruhr.de/index.php?option=com_content&task=view&id=35&Itemid=46


(...) Vi o filme Body Rice e fiquei viciado em XmalD(...)
Lisboa-Portugal

Pedro Morais Correia

„Deine Qual ist meine Lust – meine Liebe ist dein Todnachts wenn du schläfst bin ich lebendigmeine Wiege ist dein Grabmein Tag ist deine DämmerungI´ll murder you“ (Qual)

Malevitch


Revista Obscena

Texto publicado no numero 1 revista OBSCENA
Corpo indiferente
Tiago Bartolomeu Costa



Um carro percorre as estradas de terra batida esculpidas na paisagem. O pó acumula-se no vidro e denuncia a aridez daquele território que é o Alentejo mas podia ser qualquer outro lugar de ninguém. Body Rice, a primeira longa-metragem do realizador português Hugo Vieira da Silva (Porto, 1974), atravessa uma planície deserta numa contemplação adormecida e desistente. Um modo de olhar aquela terra como se tudo e nada dependessem dela. No início, ainda o vidro do carro não deixou perceber onde estamos, uma voz masculina pergunta: “É como imaginaste?”. E ouve-se de uma rapariga: “Não imaginei nada”. Body Rice é sobre isso mesmo. A incapacidade de previsão, a demissão de uma responsabilidade, um deixar estar e deixar ser sem noção de futuro.
A legenda inicial contextualiza, fugazmente, o tempo e a acção. Durante os anos 80 jovens alemães eram enviados para o Alentejo ao abrigo de um programa de reinserção social. Miúdos problemáticos, com pesadas heranças familiares, que eram deixados ao cuidado destes projectos controlados pela igreja protestante. Retirados das suas famílias e enviados para outro país – não só Portugal, aqui por se respirarem ventos pós-revolucionários, mas também América Latina e Europa de Leste –, o programa acreditava que a extracção do mal devia ser feita a partir da raiz. Logo, a deslocação tinha contornos de limpeza emocional. A maior parte dos responsáveis pelos jovens não possuíam particular formação para o fazerem e, no triângulo Aljezur-Santa Marta-Odemira, encontravam-se punks, protestantes, ex-prisioneiros e terroristas do exército da República Federal da Alemanha. Um ambiente pesado e quase paralelo à realidade nacional, cujo contacto com a população local vivia mais de uma ocupação que de uma partilha de espaço. O programa, que ainda hoje existe, sustentava-se em teorias obscuras devedoras de um pensamento neo-reaccionário muito em voga nos anos 70. E com o passar dos anos foram-lhe sendo apontados casos de abuso de menores, fugas e mortes. É este universo, particularmente ambíguo, que se capta num filme quase mudo, ou onde as palavras são conscientes de uma finita inutilidade.
Se as palavras são parcas, os olhares vagos e os movimentos tensos, passa pelo filme, e é isso que importa registar, um trabalho em torno do corpo, com a inscrição no espaço, o confronto com o outro, e o abandono e superação da consciência a darem o mote para uma reflexão sobre possibilidades de suspensão. O filme, se suspende o olhar nos corpos, fá-lo porque estes trabalham a partir de mecanismos, dinâmicas e pressupostos coreográficos bastante evidentes. Ou evidentes para quem quiser ver na fixação de movimentos (porque ficção) uma proposta de combinação entre a bidimensionalidade do cinema e a tridimensionalidade da dança. É que o filme entra por um território onde é o corpo que comanda o destino da (eventual) personagem. Deixamos de tratar de personagens estruturadas para observar derivas. Da narrativa para a performance, desta para o espaço, deste para o plano fixo.
Hugo Vieira da Silva registou o modo de actuação e comportamento destes corpos a partir do método de Composição em Tempo Real, desenvolvido pelo coreógrafo João Fiadeiro onde o corpo existe ao serviço de um processo criativo, no qual se pervertem constantemente as regras de criação. As sequências que entram pelas festas de trance, planando sobre a agitada e aparentemente descontrolada movimentação suada daquelas pessoas, registam a forma como as possibilidades de envolvimento e clímax são suspensas. Cada gesto esconde um outro e põe em causa a experimentação. Arrisca um movimento sem memória ao mesmo tempo que acumula “fugas para a frente”. Exprime, nesse escape, a perda de noção de racionalidade, verticalidade e de limite. E ultrapassa a mera disposição num espaço concentrado. Espaço temporal e espaço físico.
Razão pela qual, se sentimos que ao filme falta uma maior contextualização histórico-político-social – ouvimos uma breve notícia sobre o primeiro conflito no Golfo e, pela banda sonora, percebemos que as feridas abertas pela queda do Muro de Berlim não estão completamente saradas –, também compreendemos porque se opta por uma focalização naqueles corpos, eles sim, descontextualizados. É a única hipótese de ordem. O comportamento que exibem, com provas de afecto não uns pelos outros mas em relação a um brinquedo robotizado descoberto numa lixeira, é incapaz, por exemplo, de aceitar a irracionalidade dos animais, e por isso são pontapeados ou ignorados. As figuras – todas, desde as raparigas que se arrastam nos hotéis, ao amigo português (Luís Guerra a mostrar porque é a revelação da dança dos últimos anos), e mesmo o epiléptico que opõe a transcendência provocada pela música electrónica ao descontrolo nervoso da doença –, acusam um mal estar, um sentimento de rejeição e um sentido de ausência que advém da paisagem pálida que lhes condiciona o movimento.
Por isso, Body Rice (de título tão enigmático quanto frágil é a composição de uma vagem de arroz) limita-se a olhar para eles. A deixar-se estar ali. Hugo Vieira da Silva força a concentração naqueles corpos, dessacralizados, híbridos e ressacados, não lhes exigindo uma tomada de posição. Não querendo ler neles um discurso político de resistência nem de desistência. Nessa posição, dir-se-ia que incompreensivelmente amoral na ausência de moral dos noutros, há quem leia presunção, vazio, redundância, inabilidade, desfoque, ausência de ideias ou retórica.
Mas, na verdade, se tudo isso pode ser lido no filme, também se pode tentar olhar para este filme-estado de espírito perguntando como nos podemos relacionar com a consciência. Que lugar é o do corpo numa paisagem, num contexto, face a um futuro condenado? Como agir, comportar-se, relacionar? O filme não propõe alternativas nem organiza as várias histórias que por ali se cruzam. Deixa que a câmara siga os corpos, como numa longa noite de festa. Como se não houvesse amanhã. Porque, como diz uma delas, ninguém se sente. É tudo uma espécie de ausência. É tudo masoquistamente ausente.


speaking bodies (cineuropa.org) interview

January 31, 2007 (ROTTERDAM)

SPEAKING BODIES


Currently living in Berlin, 32-year old Portuguese director Hugo Vieira da Silva presented his first feature film, Body Rice, in Rotterdam. Produced by Paulo Branco for Clap Filmes, the film rejects a linear narrative and reveals a director on the crossroads of several artistic influences: music, dance, installations and performance art.Cineuropa: Body Rice was initially conceived as a documentary about alternative ways of life in Alentejo (in the south of Portugal) and about German young people who had been sent there as part of social reintegration programmes. Why did you switch to fiction?Hugo Vieira da Silva: I felt seduced by the people I had met there, people living in communities. I thought that doing a documentary would be a good idea but then, as I was shooting, I felt I could fall into a kind of morbid curiosity about them and that I would probably violate their privacy. That's why I tried to distance myself from the traditional documentary and create something that we can ultimately call fiction. My script, however, is a patchwork of stories I was told by a lot of those people, who are not in the cast, but who take part in the film indirectly. They were my co-writers.How did you direct your actors, considering that there was very little dialogue and that they had to express their desires and frustrations through their bodies against the landscape? Did you see Alentejo as a character?The way I approached the parts with them was related to the themes of the film: the absence of cultural references, the erasure of a social background… I wanted a radical cut. We brought them to Alentejo and they had a cultural shock. Some of them reacted aggressively at the start as they were used to building characters using different methods. I wanted to empty the psychological side of the characters and get away from linear narrative. But drawing out their psychological side and focusing on their bodies doesn't mean that they have become hollow.Europe is a very normative territory and Alentejo is a bit far from that, at least it was in the early 1990s, when the film was set. There was a lot of freedom there. It was seen by many Germans as a place where they could start a new and alternative kind of life. I was so interested in the landscape that I tried to avoid filming the sky. I film the ground, the dust. There is a clash being the bodies and the space.Raves are also a kind of a non-normative party, that's why I decided to film them over there under the open sky. At a rave, bodies can express themselves freely. For one of the scenes we built a kind of wall of loudspeakers… It was almost like an art installation.Before Body Rice you directed documentaries about contemporary art movements, which is a hybrid domain, a mixture of different disciplines. Does your film follow that trend, evoking music, performance and art installations?As an artist, I see myself as a mediator between the world outside and my own work. My film must reflect the moment I am living, but cinema has always been interdisciplinary. I am dealing with film material but the way I do that is probably the expression of what is happening nowadays: installation, performance art, contemporary dance (which I am very fond of).You tend to reject linear narrative. Nevertheless, you include a clip of an experimental German film from the late 1980s, which works like a possible flashback of the characters.Some people think cinema is the art of narrative. I am not interested in the kind of cinema that has a strong narrative and cause-effect events. I guess sometimes we can fall into the trap of the commonplace, which does not reflect reality. However, I needed to have a storyline so I used that clip, which is set in Berlin when the wall was about to fall, and that opens a possibility to what the characters may have experienced before being sent to Alentejo. With Body Rice screening in several festivals (Hong Kong, Mexico City, Buenos Aires, Bangkok) do you have the time to focus on a new film?I am developing a new project and I hope it can go into production in the upcoming months. It will be a Portuguese/German co-production set in Berlin(...)

http://cineuropa.org/interview.aspx?lang=en&documentID=72649

Revista PREMIERE (blog) PARTE 1

(...)Esta reportagem surgiu na sequência de uma entrevista minha realizada ao jovem cineasta português Hugo Vieira da Silva, a qual pode ainda ser oportunamente lida na edição de Dezembro último da revista Premiere. Naturalmente, e devido aos constrangimentos naturais a que o espaço de uma revista deste tipo obedece, raramente é possível publicar entrevistas na sua íntegra. Nem sequer é isso que acontece a seguir (não o teria de ser e tornar-se-ia demasiado exaustivo). Tal como não se repetirá por aqui uma palavra das que foram então, publicadas. A verdade é que a abundância do depoimento gerado (e não utilizado) na ocasião da nossa conversa sobre “Body Rice” inspirou-me a dar-lhes um uso mais devido e leal. (...)
“Body Rice” pode não ser, na minha opinião, o filme que o cinema português merecia. Mas é invulgar e combativo, cruzando um inquietante retrato de ausência juvenil com a “tradição” das artes plásticas e performativas. A meus olhos, esse abismo neutraliza-o. Contudo, a favor da diversidade de “outros” olhares (e porque estamos também perante um exercício que leva em conta a noção do “outro”), deixo o que até aqui tinha ficado por dizer sobre as origens de “Body Rice”.David Mariano

NO LUGAR DO CORPO

1: O DESERTO

De Berlim para o Alentejo Hugo Vieira da Silva fez a si próprio uma pergunta: “Como é que um tipo larga a casa em Berlim e mete-se a viver no meio de um deserto?” Bem resumido, terá sido assim que este cineasta iniciou a sua estreia na longa-metragem depois de uma filmografia até aí composta por vários documentários: “Arte Pública”, “Grupo Puzzle” e “Confesso – Albuquerque Mendes”. Antes, “Body Rice” não era para ser uma ficção. Começou por ser uma curta. Depois teve um formato de documentário. Só mais tarde transformou-se na primeira obra deste jovem realizador portuense, hoje radicado em Berlim, formado em Direito e, mais tarde, em Cinema pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Tem 32 anos.Dos 32, dedicou quatro anos a concretizar este filme. E em quatro anos, é sabido, tudo pode acontecer. Em quatro anos, já vimos, “Body Rice” foi tudo menos uma ficção. Reparo: “Body Rice” é tudo menos uma ficção. Quatro anos: porque demorou a filmar? “Porque estava continuamente a ser reformulado e o desafio era esse. As coisas mudaram, as pessoas mudaram, os décors mudaram, as tuas ideias mudaram e havia que ter a convicção e o sentido de que aquilo que se acabaria por fazer nunca seria aquilo que se planeara. O importante era eu defrontar-me com o que tinha pela frente, com os meios que tinha. E conseguir manter essa energia para mim foi um desafio muito importante, ter a capacidade de reformulá-lo em permanência.”Hugo Vieira da Silva conhece muito bem o Alentejo (é esse o “deserto” que questiona), lugar com o qual tem uma relação especial. Uma relação que a maioria do país não partilha ou se esqueceu de partilhar porque o foi ignorando (a não ser de passagem pela A2 Sul a caminho do “britânico” Algarve). A sua primeira tentação foi sair de lá com mais um documentário, projecto financiado pela Gulbenkian, através de vários work-shops experimentais que desenvolveu com quem ali vivia. Em particular, pessoas deslocalizadas, fora do seu sítio de origem, por opção própria ou obrigação (e a lista é vasta: desde biofamílias a ex-prisioneiros alemães, passando por viajantes ocasionais aos próprios alentejanos). Mas a experiência acabou por ser mais do que observar pessoas. Ganhou personagens. Já não queria um retrato da realidade. Queria mais. E a dada altura, o realizador achou que seria importante para ele distanciar-se, porque “uma forma de distanciar e proteger as pessoas era fazer uma ficção.”História de vários jovens delinquentes lançados na árida paisagem alentejana em projectos de reintegração social, obra desconcertante de corpos desolados num mundo selvagem, monótono, estéril. São eles, as “pessoas” que Vieira da Silva tentou proteger. Adolescentes, portugueses e germânicos. Solitários mudos, de olhar vago e perdido. Esquecidos, abandonados, a rebentar foguetes por diversão ou a atirar pedras a lagoas que secam num qualquer Verão quente. Não apenas, há ainda antigos hippies a morar em roulottes estacionadas, velhos aldeões a ver o tempo passar, crianças livres e nuas a chapinharem na lama. Escrevemos “história”? Talvez a “história” de uma pintura visualmente despojada, em confronto com o seu privado processo de criação. Em ruptura, e ele chega a afirmar que o que pretendia era “uma espécie de pintura branca onde fosse possível recomeçar tudo de novo.” Nunca uma “história” comum, banal, embora a banalidade dos dias fosse um ponto em comum.“Eu fui parar à ficção um pouco levado pelas circunstâncias. Intuitivamente, acabei por encontrar a minha própria forma de trabalhar os actores, um bocado caótica, não-convencional. Há um lado quase de partir os materiais e ligá-los em si mesmo.” Os materiais “partidos”, esclareça-se, seriam os actores, o som, a imagem, a narrativa. “Sobretudo, recusar uma série de coisas que não me interessavam no cinema. Coisas que eu sabia que não queria, e com as quais não me interessava ir por esse caminho.”Como assim? “Eu quero fazer um filme de que eu goste, não é?” Certo. “E há alguns filmes no cinema que eu gosto e há outros que não me interessam nada.” De acordo. Logo? “Não me interessava a narrativa tal como é entendida nos cânones de argumento: essa questão da causa-efeito. Acho que as coisas podem ter outra lógica hoje em dia e que essa forma de narrar corresponde a um tempo que já não é o meu. A fórmula canônica do cinema de narrar é qualquer coisa tem que ver com um tempo, um sentido mitológico, uma narrativa, um sentido quase freudiano de causa-efeito, darwinista. No cinema interessa-me fazer qualquer coisa que tenha que ver comigo e com o tempo em que eu vivo, com este momento presente.”

(continua)

David Mariano
in
http://premiere-portugal.blogspot.com/2007/02/body-rice-de-hugo-vieira-da-silva.html

Sunday, February 04, 2007

ROTTERDAM 2007 cinema of the future


BODY RICE- CINEMA OF THE FUTURE (STURM UND DRANG)
Extrait from the catalogue IFFR 2007

Joy Division and dancing with robots. A young German delinquent is sent to Portugal for rehabilitation programme, where she and her fellow sufferers are plagued by apathy and loneliness in the decimated landscape of the Alentejo.
While the hedonistic optimism of the 1990s now really does date from a different century, that other form of escapism, apathetic doom thinking that is largely associated with the 1980s, is back in fashion. That is certainly the case in the young-delinquent drama Body Rice, which follows several young people in a desert-like part of the Alentejo in Portugal. Hugo Vieira, making his debut as director, does so in intense, faded images in which the camera largely points at the body language and the moments of contemplation.The German teenager Katrin is sent to Portugal as part of a reintegration programme for delinquent youths. In the barren surroundings of the Alentejo she meets Julia, who is also there for a social programme, and Pedro who lives locally but walks around equally lost. The acquaintanceship however leads nowhere. These young people only seem to feel in the right place (‘happy’ would be too big a word) when they can dance to very loud techno. Comic (also too big a word) highpoint is the dance scene with a mini robot. That doesn't change the lonely, selfish attitude. In that strange 1980s way, it is a very existential film: ‘I’ve got the spirit, but lose the feeling’, Joy Division already said. (GT)

ROTTERDAM 2007 FILM FESTIVAL


BODY RICE screening at IFFR- Rotterdam Festival 2007

Section- CINEMA OF THE FUTURE (Sturm und Drang)

Screening at Cinerama 3- Jan.26
Full Room

BODY RICE na Obscena

Artigo de fundo na revista de artes performativas OBSCENA sobre BODY RICE por Tiago Bartolomeu Costa
Article in the new performative arts magazine OBSCENA about BODY RICE by Tiago Bartolomeu Costa

http://www.revistaobscena.com/revistas/obscena01.pdf